Despacho/decisão CONTRA cotas para TRANS
AÇÃO POPULAR Nº 5019476–37.2018.4.02.5101/RJ AUTOR: TUPIRANI DA HORA LORES RÉU: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO — UFRJ
DESPACHO/DECISÃO
Trata-se de ação popular em que a parte autora postula a concessão de medida liminar para suspender parcialmente os termos do Edital UFRJ 551, que regula a seleção para o ingresso no Curso de Mestrado do Programa em Políticas Públicas em Direitos Humanos da Universidade, particularmente no que se refere ao item 2.1, “c”, que reserva, no referido certame, 2 vagas de 25 para pessoas travestis ou transexuais assim autodeclarados. Alega o autor popular que o edital padece de ilegalidade do objeto, inexistência dos motivos e desvio de finalidade, instituindo favorecimento político-ideológico por parte da instituição de ensino. É o relato do necessário. Passo a apreciar o pedido liminar. As chamadas políticas de ação afirmativa tem por finalidade a promoção da isonomia material em favor de grupos sociais reconhecidamente discriminados no aspecto histórico e também sociológico, estabelecendo tratamento jurídico favorecido, como forma de compensar as condições desfavoráveis dadas pelas circunstâncias. Com isso, são estabelecidos mecanismos que mitigam a tradicional igualdade formal de oportunidades, favorecendo quem presumidamente possua déficit de condições para uma justa concorrência nesse campo. Abstraindo de toda a discussão política e ideológica que normalmente cerca o tema, impõe-se, do ponto de vista estritamente jurídico, a observância de determinados cuidados para a mitigação da igualdade formal, pois não é tarefa fácil a identificação da situação de desfavorecimento social em determinado campo, bem como a definição da exata medida de compensação a esse déficit de competitividade. Desse modo, do ponto de vista formal, impõe-se que a política de cotas seja um mecanismo legítimo de captura do interesse público primário justificador do discrimen, sendo deles o mais comum a veiculação através de lei formal votada pelo Parlamento. Muito embora o Supremo Tribunal Federal já tenha decidido, no âmbito do RE 597285 (Informativo Semanal número 665, que o disposto no art. 51, da Lei 9.394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional) já fornece suficiente autorização para que as universidades, no âmbito de sua autonomia didático-científica, adote ações afirmativas, transparece da leitura do edital impugnado a ausência de referência a decisão de órgão deliberativo colegiado da própria universidade, estabelecendo essa política. Muito embora esse aspecto específico possa ser melhor esclarecido por ocasião da formação do contraditório, parto para a exposição do aspecto substancial da medida, que me parece invencível e justificador do controle jurisdicional imediato. Com efeito, com as duas vagas reservadas para autodeclarados travestis e transexuais, nada menos que quatorze das vinte e cinco vagas da referida seleção de mestrado tem sua concorrência restringida por algum tipo de ação afirmativa. Mais da metade, portanto, das vagas em disputa estão simplesmente subtraídas à ampla concorrência. A desproporcionalidade que resulta desse aspecto evidencia possível comprometimento do caráter público da seleção, desbordando, com excesso, da finalidade de promover a equalização das oportunidades educacionais (art. 211, § 1 o , da CRFB) e esvaziando o critério universal do acesso aos níveis superiores do ensino segundo a capacidade de cada um (art. 208, V, da CRFB). No julgamento da ADPF 186/DF, leading case na apreciação da constitucionalidade das ações afirmativas, o STF chama atenção para a necessidade de atendimento à proporcionalidade, tanto na formulação quanto na execução desse tipo de política pública: “No entanto, as políticas de ação afirmativa fundadas na discriminação reversa apenas são legítimas se a sua manutenção estiver condicionada à persistência, no tempo, do quadro de exclusão social que lhes deu origem. Caso contrário, tais políticas poderiam converter-se em benesses permanentes, instituídas em prol de determinado grupo social, mas em detrimento da coletividade, como um todo, situação — é escusado dizer — incompatível com o espírito de qualquer Constituição que se pretenda democrática, devendo, outrossim, respeitar a proporcionalidade entre os meios empregados e os fins perseguidos” ADPF 186/DF, Pleno, rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJe 20.10.2014).
Já a urgência consiste na proximidade do encerramento do prazo de inscrições, previsto para 31 de agosto de 2018.
Pelo exposto, DEFIRO O PEDIDO LIMINAR, para suspender os efeitos do item 2.1, item “c”, do Edital número 551 da UFRJ, até final julgamento. Citem-se e Intimem-se para cumprimento.
Intime-se o Ministério Público Federal, nos termos do art. 6º, §§ 4º e 7º, I, da Lei nº 4.717/65. Após, voltem-me conclusos.
Documento eletrônico assinado por ANTONIO HENRIQUE CORREA DA SILVA, Juiz Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 2ª Região nº 17, de 26 de março de 2018. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc.jfrj.jus.br, mediante o preenchimento do código verificador 510000091091v9 e do código CRC 73b9cdcc. Informações adicionais da assinatura: Signatário (a): ANTONIO HENRIQUE CORREA DA SILVA Data e Hora: 21/8/2018, às 16:45:35